Mulheres, Cervejas e Brochas...

02-12-2011 11:49

   

      Chega o verão e lá estão elas afixadas, coladas ou penduradas nos bares, do melhor boteco de Paripe à pior birosca da Pituba, em todos eles, mulheres. Lindas e seminuas em poses sensuais elas arrancam olhares e atiçam a libido dos homens (e algumas mulheres) que as vêem. É que o pornográfico, que tudo revela, torna-se rapidamente desinteressante e monótono, enquanto que o erótico, que insinua mas não mostra, mexe com a imaginação e a todo tempo faz renovar-se o interesse sobre si. E isso vende cerveja? Não. Então qual a relação entre o efeito da sensualidade nos cartazes e a expressiva vendagem das cervejarias que os produzem?

        Embora as cervejarias se apoiem em pesquísas de opinião (masculina) para criar tais campanhas, sabe-se nelas que não há, de fato, relação alguma. Tudo está na lógica e na sugestão: verão = sol = calor = praia = mulheres e homens bonitos seminus = sexualidade, ou melhor, tesão. Mas a fórmula não estaria completa se não houvesse a liberalidade que o álcool proporciona, e tudo isso está implícito na mensagem. Não adianta em nada só ver e desejar, é preciso algo que te dê "asas" para chegar junto...
        O papel dos cartazes é mostrar aos homens que há mulheres sedentas de prazer e que cabe a eles tomar a iniciativa. Nesse processo um sujeito gastará de uma a duas cervejas consigo, para desinibir-se e ir até a escolhida e várias outras com aquela com quem houver possibilidades reais e com as amigas dela. Nesse caso, a desejada transa será diretamente proporcional à quantidade de cervejas, tira gostos etc que ele tiver pedido, coisas simples que denotam que o sugeito, ainda que não rico, "pode" alguma coisa, e para uma mulher segurança financeira conta muito.
      Parece loucura mas é verdade. Vivemos numa caçada em busca do melhor parceiro, e a mulher é quem de fato escolhe o parceiro; este nem sempre será o mais forte, alto, saudável ou bonito, nem o que tem a melhor rola; poderá ser aquele que tenha melhores possibilidades de garantir a subsistência da prole, desenvolvendo a cerveja então, um importante papel socioantropológico. É preciso salientar que nesse caso o escolhido também não será o mais viril, já que poucos são aqueles que conseguem apresentar um desenpenho sexual satisfatório tendo ingerido bebida alcoólica, que apesar dos mitos, em nada ajuda no desempenho sexual masculino. Talvez você tenha tomado conhecimento disso agora, mas a indústria já sabe há muito, e beneficía-se, ainda que a um custo muito elevado, para as mulheres.
       Toda vez que se produz um cartaz onde parece ao observador que o que está à venda é a garota propaganda, além da cerveja, é como se tudo o que as mulheres fizeram e têm feito na luta por igualdade de direitos e respeito como pessoas tivesse passado despercebido ou sequer tenha chegado ao conhecimento de algúns. E é lamentável que aquelas modelos, algumas das quais que ainda nem adquiriram a idade e a maturidade necessárias para serem de fato chamadas de mulheres, vendam, por intermédio da sua imagem algo que é muito maior que elas e que talvez esteja ainda além da sua percepção e compreensão: a dignidade feminina.
       Eis a "cultura" que turistas sexuais vêm buscar no Brasil. A ideia de mulheres belas, "quentes" e fáceis que é passada por tais anúncios é uma nascente intelectual que desenboca no tráfico internacional de brasileiras, antes de percorrer o caminho da exploração sexual de menores, de eventuais estupros, do abuso doméstico, da prostituição escrava, do agenciamento por parte de cafetões e sua ligação estreita com o tráfico de drogas e até de homicídios; todos esses, crimes bem reais.
       E aonde estão as mulheres, que ainda permitem tudo isso e não protestam contra tais campanhas, atacando assim uma das raízes de tantos problemas sofridos por elas? Ora, estamos num Estado "democrático", onde nem tudo que é errado é necessariamente crime. Outrossim, nesse mesmo Estado "democrático", onde a maioria das mulheres sempre ganha menos que a maioria dos homens que ganham menos, e ainda têm que sustentar às vezes familias relativamente grandes sem qualquer ajuda de um companheiro ou do Estado, deve sobrar disposição para lutar pelo sustento próprio e dos seus, mas com certeza não resta tempo algum para se preocupar com a subjetivação do sexo feminino, o que, aliás, deve lhes soar até surreal.
       Mas o problema existe, e não se limita ao verão, nem mais às cervejas. O ano inteiro diversos fabricantes de bebidas alcoólicas criam campanhas publicitárias que têm como mote a relação bebida, mulher e sexo, já que trata-se duma fórmula de sucesso no ideário dos maiores consumidores desses produtos, os homens. É imprescindível que se discuta essa situação, e a participação masculina será o fator preponderante para a mudança; homens não surgem ao acaso, têm mães, avós, irmãs, tias, primas e amigas, mulheres de que gostam e respeitam, e é preciso que esse respeito seja dirigido a todas as outras, antes de qualquer outro sentimento ou desejo.